domingo, 1 de abril de 2018

PÁSCOA


Festa cristã. Não sou lá muito cristão, embora, sendo brasileiro, tenha uma formação compulsória mais ou menos baseada no cristianismo. Por aqui, todos sabemos, até ateu diz “Graças a Deus”, curte um presente de Natal e adora um ovinho de chocolate na Páscoa. Sem contar o fato de que ninguém se queixa dos feriados prolongados que o laicismo de mentirinha proporciona a todos nós.
Mas mesmo sem ser um praticante, culturalmente sei de datas, fatos, histórias, lendas. E me pego pensando em coisas ligadas a tudo isso durante o tríduo Endoenças-Aleluia-Páscoa.
Época de renovação. Época de revitalização, palavra com significado óbvio de reviver, ressuscitar, fazer voltar a vida perdida e voltar à vida quem a perdeu. Simbólico, claro. Ninguém vai sair por aí levantando mortos e criando um apocalipse zumbi. Mas é possível revitalizar tantas outras coisas!
Na semiótica da chamada Semana Santa temos uma ordem das coisas. Primeiro Endoenças, período de indulgência, de perdão, de limpeza de desavenças passadas. Em seguida Aleluia, dia de alegria, de cânticos e glorificações pelo ressurgimento que há de vir, seja do que for. Mesmo que a cultura popular tenha convertido esse dia em simplesmente “Dia de Malhar o Judas”. E, finalmente a Páscoa, o dia da ressurreição, dia em que tudo se renova, revitaliza, revigora, ressurge para reiniciar direito, talvez desta vez dê certo, quem sabe começando de outro jeito a gente faça funcionar. Seja o que for.
Neste momento penso se não devíamos aplicar essas ideias em qualquer coisa. Se o caminho para que algumas coisas se acertem não passa exatamente por aí.
Por exemplo.
Tenho uma ideia do que é certo. Arrebanho um grupo que compartilha das minhas convicções e das minhas intenções. Começamos a botar em prática o que achamos certo. Com isso assumimos um comando que até o momento ninguém tinha, uma vaga a ser preenchida na elaboração do Certo. Mas todo mundo sabe que não existe O Certo. Quando muito existe UM Certo. O meu é um. Outras pessoas podem não achar que o meu certo seja O Certo. Não são pessoas más. Não são pessoas vis. Não são menos do que eu. Só pensam de maneira diferente. Mas eu estou no comando. Eu e meu grupo temos certeza de que sabemos qual é o único Certo e consideramos qualquer oposição uma afronta não a nós mas ao Certo. Uma ilegitimidade. E isso não pode continuar. Começamos a penalizar os opositores. Eles, por sua vez, se achando certos, mas sem o poder de comando do meu grupo, sentem que só lhes resta a guerrilha, minar o grupo oposto, reclamar, xingar, fazer oposição velada pra não sofrer consequências. Meu grupo, por sua vez, se sente ultrajado por estar sendo traiçoeiramente difamado por gente que não quer que O Certo vença. E essa batalha subterrânea pode durar anos, décadas!
É aí que entra meu pensamento no tríduo. Endoenças, ou seja, Indulgência. Bom período pra todos pensarem em serem mais indulgentes. De todos os lados. O grupo opositor pode exercer essa indulgência apagando mágoas, deixando de lado pequenas ofensas, esquecendo que o outrora amigo fez isso ou aquilo com ele. O amigo não fez com ele. Fez em nome de um Certo que ele acredita ser único. O meu grupo hipotético, o do comando, pode se mostrar indulgente com uma atitude grandiosa que pode até ficar bonita na foto final: anistia! Afinal, tudo saiu como eu encaminhei, o grupo que se opunha a mim e que agiu de um jeito que eu tinha decretado que era O Errado não prejudicou nada, não impediu nada, não evitou o final. O Poder exercido pra ajudar, pra dar a mão, pra elevar é mais respeitado do que o poder exercido pra massacrar, castigar, devastar.
Mágoas esquecidas, supostos males anistiados, acabou o período de Endoenças. Podemos entrar em tempo de Aleluia, festivo, com todos participando da festa pra, em seguida, começarmos uma Páscoa, uma renovação, uma ficha limpa pra ser preenchida por todos e cada um com novas atitudes. Novos acertos e novos erros. Mas que seja tudo novo!
Ressurreição já!