segunda-feira, 19 de março de 2018

GENERAIS


Em toda situação do mundo, seja qual for o setor, militar ou não, existem os Generais e os soldados.
Generais em suas belas fardas, bem colocados e bem posicionados na hierarquia, com suas lutas próprias e seus motivos, envolvem, motivam e mobilizam jovens soldados que nem sempre têm a mesma luta ou os mesmos motivos. Envolvem, motivam e mobilizam com discursos sobre vitórias e glórias. Caso esses não envolvam, não motivem nem mobilizem, usam ameaças de corte marcial.
Os Generais garantem aos jovens soldados que a guerra será curta, vai durar apenas poucos dias. Eles têm certeza de que o inimigo irá se render rápido.
Claro, os Generais, mesmo cientes disso, não informam aos soldados que o inimigo tem mais munição, tem abrigos melhores, tem água e comida pra aguentar alguns meses de guerra. Os jovens soldados não avaliam que só têm um cantil e algumas barras de chocolate na mochila. E a maioria deles nem conseguiu essas coisas com os Generais.
Os Generais ficam em seus gabinetes e soldados vão pra frente de batalha. Muitos morrem, muitos são mutilados, alguns sobrevivem, todos dão a vitória aos Generais.
Os Generais, finalmente, ocupam o território e assumem os postos que pretendiam. Desfilam em carro aberto. Comemoram uma vitória que talvez não esteja sendo sentida por aquele jovem sem um braço que sabe que, agora, vai ser difícil arrumar emprego.
Mas os Generais prometeram que a glória da vitória recairia sobre todos os que tivessem lutado.
Alguém já ouviu falar que, em qualquer momento da História, os soldados sobreviventes, inteiros ou mutilados, tenham realmente sido convidados a participar das glórias dos Generais?
Generais têm muitos amigos. Nenhum deles soldado raso.
Por outro lado, pode-se achar que não é bom ser General vitorioso em terra devastada e vazia. Os Generais não estão preocupados com isso. Se a região ocupada for totalmente destruída, eles têm a promessa de outra região na qual serão recebidos como Generais heróicos que venceram mas foram penalizados por isso.
No fim, Generais são apenas velhos soldados que ficaram tempo demais ali até serem promovidos. Mas continuam tolinhos do jeitinho que eram quando se alistaram.
Tardiamente vão descobrir que outros exércitos também têm Generais. E eles não precisam de heróis externos. Eles são os próprios heróis.
Enfim, toda guerra é inútil, como a História já cansou de mostrar. Não há vitórias. Não há glórias. Quando muito há discursos. E gente triste, decepcionada, amargurada... ou morta.

sexta-feira, 9 de março de 2018

MENTIRINHAS!


Aí o cara diz: “Não concordo com nada do que você pensa. Mas tenho muito respeito por você”.
Mentirinha!
Ora, se um indivíduo não concorda com outro é porque acha que o outro está errado. Se o outro está errado, com certeza o que ele está dizendo é uma bobagem frente ao que o primeiro acha que é o certo. E como é que alguém, em sã consciência, respeita uma pessoa que está sempre errada e só diz bobagens?
Ele faz seu número de alta nobreza e complacência com alguém que julga inferior, já que diz coisas erradas na frente dele, logo Dele, que sabe quais são as coisas certas. Ele alega respeito.
Mentirinha!
Em seguida, sem dúvida, ele vai pra junto dos seus, aqueles que compartilham de sua segurança de que detém todas as respostas e que, como já dizia a antiga personagem, só abre a boca quando tem certeza. Afinal, isso é natural em todos nós. Não faria sentido convivermos o tempo todo com gente que discorda, com antagonistas. Adoramos fazer o discurso de que o bom é a multiplicidade de idéias, de que acreditamos que da discussão nasce a luz.
Mentirinha!
Só formamos grupos, tribos, turmas, redes sociais com pessoas que pensem exatamente do jeito que pensamos. Ou que, pelo menos, aleguem isso. Melhor ainda quando dizem que pensam o que pensamos não porque realmente pensam daquele jeito mas porque estão convencidas de que o que pensamos é que é bom.
Ele vai pra junto dos seus, dizia eu. E lá, claro, vai comentar o encontro com o outro, vai contar como o outro estava enganado, o quanto tentou fazer com que o pobre coitado visse a luz, vai detalhar o tanto que se esforçou para que o infeliz se bandeasse para o lado Bom, que, claro, é o dele e o dos seus. Todos vão fazer cara de admiração por sua abnegação sacerdotal e depois vão balançar a cabeça compungidos pelo pobre coitado que não viu o caminho do Bem. Eliminando palavras escolhidas a dedo, o que vai acontecer ali é a boa e velha fofoca sobre o outro. E ninguém faz fofoca sobre alguém a quem se respeita.
Mentirinha!
Na verdade o nobre encaminhador de almas já conseguiu algum poder, nem que seja apenas moral e, querendo ou não, assusta a pelo menos metade dos seus ouvintes. Eles têm receio de discordar do portador do archote, não querem ser vistos como antagonistas de alma tão nobre e dedicada que leva todos pela mão em direção à Iluminação. Mesmo uns poucos que começam a pensar que ele talvez seja apenas um pavão, lindas penas, pouco corpo e, lá embaixo, pés horrendos, mesmo esses evitam atritos. Pensam para si e se calam. E fazem a mesma cara de admiração que os admiradores de verdade fazem.
Mentirinha!
De mentirinha em mentirinha vamos tecendo nossa sociedade. No fundo, é assim mesmo que tem que ser. Se todos dissessem só verdades talvez não houvesse mais muita gente viva pra discutir fome, veganismo, preconceitos, futebol ou ética.
Mas minha dose de mentiras a serem ditas ou a serem mentirosamente aceitas não inclui o cara que diz que “me respeita”. Esse, pra mim, exagera. Quem discorda de mim, por favor, da próxima vez que me encontrar, só discorde. Não declare respeito. Não venha com Voltaire. Voltaire, como todos nós, era um homem, um humano, portanto, um mentiroso. Ninguém defende de verdade o direito de outra pessoa dizer coisas com as quais não se concorda. E nem foi Voltaire quem escreveu isso e sim uma biógrafa dele, outra mentirinha. De qualquer maneira, a frase é vazia. Se não concordamos é porque achamos que está errado. Se está errado, é um mal. Se é um mal, como se pode defender o direito de alguém fazer apologia ao mal?
Mentirinha!

sábado, 3 de março de 2018

O CERTO É CERTO?


Ultimamente tem surgido com uma certa insistência nas redes da vida uma frase atribuída a Gilbert Chesterton:
“O certo é certo, mesmo que ninguém o faça. O errado é errado, mesmo que todos se enganem sobre ele”.
Às vezes, quem posta a frase altera uma palavra ou outra, de acordo com a conveniência do que se pretende cobrar ou de quem se quer acusar, mas, em síntese, é isso.
Parece um lindo pensamento, uma idéia a ser seguida à risca por quem pretende ser visto como um ser humano repleto de retidão e princípios morais e éticos.
Só que (aqui pra nós, que ninguém nos leia) as afirmações não têm realmente nenhum significado. Errado e Certo são só convenções que variam de acordo com a época, com o local, com o uso.
Há poucas décadas, a Lei exigia que se pedisse um alvará, uma autorização pra qualquer reunião com mais de cinco pessoas. Numa casa com pai, mãe e duas crianças, se quisessem fazer um bolinho de aniversário pra um dos filhos não havia nenhum problema. Mas se convidassem o tio e a tia do garoto, tinham que pedir alvará porque já haveria seis pessoas. Isso era o regulamento, era a Lei, portanto, era o Certo! Mas a população começou a não ligar pra isso. Ninguém pedia alvará nenhum. Não dava pra prender todo mundo do país inteiro. Mudou-se o Certo! Agora o Certo passou a ser façam sua festa aí sem pedir pra ninguém. Liberdade passou a ser o Certo. Até surgirem os Pancadões! Aí a Liberdade de reuniões passou a não ser tão certo assim.
Um dia foi muito Errado as mulheres exibirem mais do que suas mãos e seus tornozelos em público. Nem mesmo o formato do corpo em exibição, ainda que coberto, era aceitável. Sofri um acidente aos seis anos e minha mãe foi impedida de entrar numa Santa Casa pra me acompanhar porque estava, indecentemente, usando calças compridas. Isso era Errado. Aí as mulheres queimaram sutiãs, vestiram minissaias, fizeram movimentos, expuseram os seios nas ruas, meu-corpo-minhas-regras e não teve jeito: mudou-se o Errado. Agora o Errado é cobrir demais o corpo com alguma coisa que não seja tatuagem.
Portanto, a vida mostra que o Chesterton era bom de frases de efeito cuja utilidade era fazer o citante parecer muito culto ou muito digno nos bares boêmios e, hoje em dia, na redes. Mas o próprio Chesterton disse: “Devo o meu sucesso a ouvir respeitosamente os melhores conselhos e depois fazer o contrário.”
A História mostra que o contrário é mais razoável. Quando muita gente insiste em fazer o que até aquele momento era considerado Errado, a única saída é fazer com que se torne Certo. O Certo é o que a maioria quer, o Errado é o que a maioria evita. Está aí a descriminalização da maconha pra provar isso.
O Certo não é permanente e o Errado não é eterno.