Minha mãe me ensinou a ler aos cinco anos. Quando
completei seis, tentou me matricular numa escola pública e não fui aceito por
não ter os sete anos exigidos. Ela pesquisou até encontrar uma escola particular
que me aceitasse. Era uma escola próxima da nossa casa, no bairro do Macuco, em
Santos. Mas, poucos meses depois, nos mudamos. Pra outra cidade! Pra Vicente de
Carvalho, que, na época, ainda chamávamos de Itapema. Não dava pra eu ir àquela
escola todos os dias. Era longe demais. Envolvia até uma viagem de catraia, um
pequeno barco a motor que ainda hoje é usado em travessias na baixada santista.
Minha mãe fez um acordo com a escola. Eu iria uma vez por mês pra fazer uma
avaliação. Mas como eu aprenderia o necessário pra essa avaliação? Minha mãe
pegava o currículo do mês e me dava aulas em casa. Todos os dias! Com horário
normal de aula! Passei pro segundo ano com nota excelente. E sabendo ler muito
bem. Meu pai achava que ler era importante. Meu tio, o falecido Zé Vieira,
trazia muita coisa pra eu ler. Mas minha mãe foi quem me deu os meios
necessários para que eu pudesse fazer isso, com gosto, pelo resto da vida.
Meu pai exigiu: Homem que é homem não depende de
ninguém. É auto-suficiente!
Minha mãe, quando eu tinha uns oito ou nove anos,
insistia pra que eu fizesse trabalhos caseiros, todos os dias. Eu ficava
irritadíssimo! Enquanto os outros moleques estavam brincando de mocinho,
empinando pipas, jogando bola, taco ou espeto, eu estava vendo como se fazia
arroz, estendendo um lençol na minha cama, lavando louça, colocando fronha em
travesseiro, enxugando pratos, varrendo a sala, passando pano no chão da
cozinha, descascando batatas, fritando ovos, temperando bifes. Claro que isso
tomava apenas uma ou duas horas do dia, mas pra mim parecia toda uma vida! Na
verdade, ela até refazia as coisas depois. A intenção não era usar meu
trabalho. Só muito mais tarde, quando me vi distante, sozinho e por minha
conta, é que percebi o valor do que tinha aprendido. Vi que sabia mais sobre
organização de uma casa e preparação do meu alimento do que imaginava. Meu pai
me incutiu o orgulho da não dependência. Mas minha mãe foi quem me deu o
conhecimento das coisas práticas pra que eu pudesse manter esse orgulho.
Meu pai determinou: Homem que é homem tem que ter
uma profissão, um trabalho digno que ele faça muito bem feito, no qual ele
seja, senão o melhor, um dos melhores.
Minha mãe, quando eu estava com mais ou menos doze
anos, me apresentou um mundo profissional do qual eu nunca me separaria. Ela me
ensinou os caminhos, com palavras ou apenas vivendo. Deixou clara a necessidade
da pluralidade no ramo do qual vivia, dublando um filme hoje, fazendo uma
novela na TV no dia seguinte, um espetáculo infantil no fim de semana,
escrevendo e apresentando programas de rádio todas as noites. Meu pai exigiu de
mim a dignidade de uma profissão na qual eu fosse bom. Minha mãe não só me deu
essa profissão, que na verdade é mais de uma, como me mostrou como exercê-la
bem e como ser respeitado nela.
Meu pai vaticinou: Homem que é homem constrói uma
boa família e faz tudo por ela.
Minha mãe já tinha dado todas as ferramentas
necessárias pra isso. A profissão com a qual manter a família, o apego aos
componentes da família que faz com que se sacrifique qualquer coisa em nome
dela, o amor que faz com que nunca pareça sacrifício, os paparicos compráveis
como brinquedos, doces, roupas especiais, passeios, e os executáveis como um
cheiroso, bonito e delicioso jantar.
Meu pai me disse como é um homem que é homem.
Minha mãe me ensinou a me tornar um. Passo a passo.
Ano a ano. Pro resto da vida!
Dá pra homenagear uma mãe assim? Impossível! Nada
seria suficiente. Só dá pra agradecer.
Valeu, mãe! Se você, alguma vez, já se sentiu amada
por seus filhos e pelos descendentes deles, tenha certeza de uma coisa: é o
mínimo que todos podemos fazer!
(Trecho do e-book O CRONISTA, à venda na Amazon)
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